A tia dificilmente ficava sozinha. Era uma estrela, e as estrelas estão sempre acompanhadas. Ao redor dela, havia parentes, amigos, as sobrinhas mais velhas - que atuavam como damas de companhia -, alguém que trazia um violão, alguém que tocava piano, alguém que chegava com as últimas novidades. Mas, às vezes, os outros iam almoçar e jantar, e a tia, que estava quase sempre de regime, ficava sozinha jogando paciência enquanto bebericava café com leite. Então, a menina ia sentar-se perto dela, e conversavam. A tia gostava de lhe contar coisas do passado, fatos da vida dela ou acontecidos no teatro, no lado de dentro, aquele das coxias, dos camarins, das passagens estreitas e das escadas apertadas, aquele lado escuro e abafado que os artistas habitam, tão diferente do teatro iluminado e ruidoso revelado ao público.
Marina Colasanti nasceu em 26 de setembro de 1937, em Asmara (Eritreia), Etiópia. Viveu sua infância na Líbia e depois seguiu para a Itália, onde morou durante onze anos. Chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de Janeiro, onde reside. Estudou pintura e artes plásticas. Como jornalista, trabalhou nos mais importantes jornais e revistas do país, em diversas áreas, atuando como cronista, colunista, ilustradora e editora. Atuou na televisão como entrevistadora de programas de comportamento e cultura. Em 1968, foi lançado seu primeiro livro, Eu sozinha. Desde então, publicou mais de trinta obras, entre literatura infantil e adulta, e poesia. Continua colaborando em revistas femininas, e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna, com quem teve duas filhas: Fabiana e Alessandra. Em suas obras, a autora reflete, a partir de fatos cotidianos, sobre a situação feminina, o amor, a arte e os problemas sociais brasileiros, sempre com aguçada sensibilidade.